Publicação: The Place
Assunto: ABAIXO A MANIA DA DIETA!
Comer não é apenas uma garantia de sobrevivência. À volta da alimentação criam-se hábitos, manias e até fobias.
Texto: Cristina Pereira
Há quem pense em comida 24 horas por dia, apesar de já ter feito mil dietas de resultados, normalmente, desastrosos. Como é que alguém nestas condições pode reaver uma atitude saudável perante a alimentação?
Reaver uma boa atitude é essencial, especialmente quando se procura atingir um peso saudável. O primeiro passo é rejeitar a mentalidade de dieta, o que envolve, entre outras, uma mudança de relacionamento com a imagem, o corpo e a própria comida. Muitos acreditam que ser-se magro é "o ideal", que com muita força de vontade e disciplina se chega lá, e que uma vez "lá" se atinge o pleno da felicidade. Acreditam que através da restrição absoluta do pão, arroz e massa e/ou através do dispêndio de uma soma controlada de X calorias diárias chegarão ao "ideal". Fazem tudo para o atingir, mesmo se à custa do bem-estar e saúde mental, mesmo perante a evidência do efeito iô-iô e de que a força de vontade não basta. É necessário que as pessoas comecem a reflectir no facto de que talvez a felicidade não resida em atingir-se isto ou aquilo, mas sim no caminho percorrido até lá. Talvez a felicidade não seja uma questão de força de vontade ou de sujeição a um plano pré-definido, mas sim o prazer de nos sentirmos mais fortes, ágeis, sensuais, leves – por praticarmos exercício físico, por comermos melhor –, sempre motivados para atingir determinados patamares de saúde, escolhidos por nós próprios com razoabilidade.
Mas como adquirir uma atitude saudável e rejeitar a mentalidade de dieta?
É importante que as pessoas reconheçam que os estragos das dietas são muitos e reais: fazer dieta é o problema, nunca poderá fazer parte da solução. Fazer dieta ensina o corpo a reter mais gordura quando volta a comer, diminui o ritmo de emagrecimento e do metabolismo, aumenta as crises de voracidade alimentar e o desejo de comida, atrofia os sinais internos reguladores da saciedade, pode causar distúrbios alimentares e sensações de frustração, de baixa auto-estima e ansiedade social (a dada altura, independentemente do peso que se tem). É igualmente importante que as pessoas saibam como se revela a mentalidade de dieta, já que é um processo subtil que se desenvolve mesmo quando decidimos rejeitá-lo. Muitos (inclusive médicos) pensam que é com força de vontade que se emagrece; mas o desejo por coisas doces é natural, e qualquer dieta que vá contra ele está a impor regras rígidas que desencadearão a revolta alimentar.
A obediência é outra crença da mentalidade de dieta. Sem querer, ao darem palpites do género "não devias comer bolos…", os outros podem despoletar uma rebelião alimentar. Os médicos ou os nutricionistas invadem o espaço das pessoas e fazem-nas sentir-se impotentes. Ou seja, quanto mais restrições houver maior o ataque à autonomia, o que acaba por desencadear um acto de auto-preservação do espaço que nos é próprio, a rebelião alimentar de que falava há pouco: muitas vezes come-se o dobro só para mostrar que "quem manda aqui sou eu!" Todos os dependentes crónicos das dietas se sentem falhados. Mesmo tendo sucesso noutros campos. A mentalidade de dieta impede-os de encarar esse aspecto da vida como um processo de aprendizagem.
Quais as ferramentas para abolirmos a mentalidade de dieta?
Viver sem a mentalidade de dieta passa exactamente pelo oposto a seguir um plano alimentar rígido, a comer porque são horas de comer, a comer uma porção específica pré-determinada, a comer quer se tenha fome quer não, a pesarmo-nos constantemente na balança – tudo aspectos que nos são exteriores. Viver sem a mentalidade de dieta implica seguir os sinais internos de cada um, que nos dizem quando, quanto e o que comer, ou seja, dizem-nos para comer mais intuitivamente. As pessoas devem aprender a respeitar a fome, a fazer a paz com a comida, a gozar a saciedade, a lidar com os seus problemas sem recorrer à compensação da mesa, a respeitar o seu corpo, sentindo a diferença através do exercício físico. Resumindo, devem aprender a alimentar-se saudavelmente, honrando a sua saúde. Estas etapas requerem um acompanhamento especializado que nos libertará da constante luta interior com o peso e as dietas. Alguns exemplos práticos:
- Rejeitar a mentalidade de dieta e todo o material em que habitualmente nos apoiamos para a fazer (revistas, balanças, cápsulas laxantes, dietas milagrosas, etc.);
- Honrar a fome, ou seja, comer quando se tem alguma fome, e parar quando se estiver saciado. É indispensável mantermo-nos bem nutridos em termos de energia (calorias suficientes) e hidratos de carbono, ou corremos o risco de despoletar uma sofreguidão alimentar;
- Fazer a paz com a comida, dando-nos permissão incondicional para comer. Pare de fazer braço de ferro com a comida. Se está sempre a privar-se terá ainda mais vontade de comer – e fá-lo-á compulsivamente, o que leva a excessos calóricos e sentimentos de culpa;
- Descobrir o prazer da mesa, porque, tal é a ansiedade para emagrecer, nem damos pelo verdadeiro prazer gastronómico da comida. Coma o que realmente gosta e num ambiente calmo e agradável – vai ver que irá precisar de muito menos para ficar satisfeito;
- Lidar com as emoções sem comer, procurando outras formas de conforto, de nutrir a alma, de nos distrairmos e resolver os problemas. Ansiedade, solidão, tristeza e estados de irritação, todos os sentimos. Qualquer sensação tem o seu momento de arranque e de travagem; a comida não travará ou resolverá nenhum deles, podendo apenas (a muito curto prazo) anestesiar a dor;
- Respeitar o corpo, sabendo que quem calça 39 não pode usar sapatos 36. Será muito mais feliz se deixar de ser tão irrealista e hiper-crítico do seu corpo;
- Fazer exercício e sentir a diferença, encarando-o como uma forma de recarregar energias, de nos tonificarmos, de adquirir mais estabilidade emocional, dormir melhor, de ter uma vida sexual melhor… Todo o bemestar é bem-vindo e é por isso que devemos fazer exercício: não para queimar X calorias;
- Honrar a saúde, fazendo escolhas alimentares que a respeitem, assim como às papilas gustativas. Não temos de seguir uma alimentação perfeita – procure sempre o progresso e não a perfeição! Ingira regularmente alimentos saudáveis, isso é que importa.
Comer em excesso será uma compensação psicológica?
Sim, e ainda bem que toca nesse aspecto. Há muitas razões que, infelizmente, levam a que as pessoas comam em excesso, quase sempre já sem terem fome. Quem é vítima da mentalidade de dieta está muito vulnerável a esse comportamento. Existe uma desconexão entre a mente e o corpo; há uma fome psicológica que leva a pessoa a comer. Contudo, a fome psicológica nunca é saciada; logo, o excesso alimentar é inevitável. As pessoas que comem em excesso não são necessariamente gordas, mas muitas podem apresentar IMC (Índices de Massa Corporal) elevados devido a este comportamento. As pessoas que toda a vida têm feito dieta e continuam a apresentar excesso de peso, ou aquelas que não fazem dieta mas são gorduchas ou obesas, devem olhar para o seu problema de base, ou seja: quais os motivos que as levam a comer tanto ou com tanta frequência, na ausência de fome fisiológica? O problema, sendo assim, não é uma má gestão do peso, mas sim uma má gestão dos afectos e sentimentos.
E, o contrário, o desinteresse pela comida?
O desinteresse pela comida pode ser problemático se tiver origem no medo de engordar. Mesmo com fome as pessoas que estão, propositadamente ou não, sempre em dieta, evitam comer para ver se a fome passa ou enganam a fome bebendo um refrigerante light ou chupando um rebuçado. Estes comportamentos, aparentemente inofensivos, têm como base uma pseudo dieta, ou uma dieta inconsciente. É comum as pessoas nem se aperceberem que estão a ter comportamentos de dieta, pois têm-nos desde sempre, e muitos deles são bastante subtis. É preciso identificar todos esses comportamentos para ajudar a livrar a pessoa dessa mentalidade tão enraizada, pois sem isso muito dificilmente conseguirá estabilizar o peso.
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