Batalhadoras incansáveis como você conquistam status, dinheiro, realização pessoal. Mas também podem trincar diante de tanta cobrança e ser alvo fácil para a depressão. Saiba como continuar na rota do sucesso blindada contra essa doença paralisante.
Texto Daniela Folloni e Giuliano Agmont / Montagem de Bruno Lozich sobre foto de Mari Queiroz
Carreira em ascensão, conta bancária recheada, endereço num bairro chique... O pacote de ambições que enche os olhos de qualquer uma de nós vem com laço de fita vermelha e promessa de felicidade. Por trás dele há uma ameaça: quem não chega lá é transferida para a classe das perdedoras, das excluídas. E quando nos sentimos decepcionadas, humilhadas, desesperadas por não ser o máximo podemos disparar um novo gatilho para a depressão. "A angústia da culpa [típica da depressão clássica] foi substituída pela angústia da inadequação, do déficit de desempenho, da insuficiência vexaminosa", diz o psiquiatra e psicanalista italiano Mario Rossi Monti em seu estudo sobre o tema, Contrato Narcisista e Clínica do Vazio. Esse mal não ataca cem por cento da população. Depende da sua estrutura emocional e até de processos químicos no organismo. Por isso, deve ser diagnosticado com critério. Os médicos, aliás, têm pavor da banalização do termo, que virou sinônimo para qualquer dia ruim (até aquele em que a gente acorda de mal com o cabelo!). Entenda como a depressão age e proteja-se.
NA FOGUEIRA DAS VAIDADES
No filme Sex and the City -, Charlotte anda se sentindo desgastada com a rotina de mãe e resiste a desabafar com a amiga Miranda. Não quer assinar um atestado de incompetência por não ter uma vida familiar perfeita. Essa autocobrança é um exemplo da necessidade de parecer bem-sucedida o tempo todo. Quem cai nessa cilada se fecha num mundinho individualista. E o resultado do esforço para manter uma felicidade acima de qualquer suspeita é, ironicamente, uma baita infelicidade. "A construção de um ideal inatingível, que coloca você sempre por baixo ou em débito, reforça uma avaliação negativa de si mesma", diz o professor Mário Eduardo Costa Pereira, coordenador do Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Pense na sensação de medir uma amiga e se martirizar por não ter o cargo dela, o sucesso dela. Pense nas vezes em que se considerou incompetente por cumprir apenas oitenta por cento das tarefas do dia. A psicóloga americana Nancy McWilliams, autora de Diagnóstico Psicoanalítico (Climepsi), já ouviu muitos desabafos de pacientes que vivem isso na pele: "Eles falam de uma vaga sensação de vazio, de dificuldade para definir a si próprios e de gostar de si mesmos. Sentem inveja das outras pessoas".
Em ambientes com sistema espartano de cobrança por resultados, a depressão pode chegar a níveis preocupantes. Um caso extremo foi o processo de fusão da empresa de telefonia francesa France Telecom, que abalou drasticamente a estrutura emocional dos empregados. Muitos creditam a isso o fato de 25 deles terem tirado a própria vida em 2009. Mas dá para conter o processo antes de chegar a esse ponto. Tudo começa com um velho conhecido, o stress. Ele é um coadjuvante com fortes chances de ganhar Oscar pela atuação.
ESTRESSADA E VULNERÁVEL
Você vive na correria e não se imagina numa vida mais light? Há explicação: "Hoje, mostrar-se ocupado é importante, ter vida infernal é motivo de orgulho, enquanto manter um dia a dia sereno é coisa de acomodado", analisa Pereira. Somos obrigadas a produzir mais em menos tempo, ser encontradas a qualquer hora (dormir com o celular ligado é um dos clássicos). E convivemos com o fantasma de que, se vacilarmos, alguém ocupará nosso lugar. Todo esse cenário estressa. E pode desencadear um processo depressivo. "O ambiente competitivo favorece a doença", avisa o biólogo e neurocientista Alysson Muotri, pesquisador e professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. "Quando a busca pelo sucesso deixa de ser prazerosa, o número de novos neurônios no hipocampo [região do cérebro que controla as emoções] reduz dramaticamente. Isso causa perda de memória e dificuldade de aprendizado, concentração. Com o tempo, o nível de neurogêneses [surgimento de novos neurônios] baixa tanto que bloqueia o efeito de rewardcerebral, ou seja, daquela sensação de orgulho quando acertamos a resposta correta ou lembramos algo que havíamos esquecido. A falta disso gera depressão."
O comportamento também dá sinais de pane. Um deles é a síndrome de burnout. "Ela causa exaustão emocional, queda de rendimento no trabalho", cita Anarella Meirelles, pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. E, como mostra uma pesquisa da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), feita com mil profissionais de Porto Alegre e São Paulo, de 25 a 60 anos, dos 30% de entrevistados que sofrem de burnout, 47% apresentam um quadro depressivo. Como descobrir que chegou a esse ponto? O corpo denuncia. Com dores musculares e de cabeça, distúrbios de sono, problemas cardíacos e gastrointestinais, elevação nos níveis de colesterol e glicose no sangue. Há também fatores emocionais. "Sensação de angústia, ansiedade, melancolia, cansaço e desânimo, raiva e solidão...", lista a coordenadora do estudo, Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR. Mas só um médico pode dar o diagnóstico seguro e indicar o tratamento, que normalmente é feito com remédios antidepressivos e psicoterapia.
CAPA PROTETORA
Sim, você pode superar uma demissão ou uma puxada de tapete sem entrar num processo depressivo. "A maioria das pessoas passa por luto, tristeza, mas toca a vida. Basta se deparar com um estímulo positivo para reagir", pondera o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "Insucesso causa ansiedade e angústia, mas não caracteriza depressão. São os mais vulneráveis que tendem a sofrer mais da doença", complementa Ana Maria. Daí vem outra pergunta: como não ficar frágil?
Um dos caminhos: praticar exercícios. "A falta de atividade física faz com que a adrenalina gerada com o stress não seja descarregada", alerta Ana Maria. O neurocientista Muotri completa: "O exercício aeróbico aumenta a renovação dos neurônios no hipocampo". Mudar a forma de encarar o sucesso também ajuda. "A ambição é positiva. Permite traçar metas e prioridades, aprender com os fracassos, dar-se recompensas... mas a maneira como se pretende subir na vida pode se tornar uma faca de dois gumes. A autocobrança tornase insuportável e então o ser ou o ter sobrecarregam o fazer", fala Ana Maria. Pereira completa: "É roubada fazer seus os ideais dos outros. Será que o bacana é mesmo ter aquele carro, emagrecer como a modelo, ostentar um celular de última geração?" Melhor definir o que é importante para você. Tarefa difícil, mas que abre caminho para uma vida mais equilibrada, saudável, sem tantas angústias.
PRODUTIVIDADE EM PÍLULAS, PODE?
Em nome da corrida insana pelo primeiro lugar, há quem recorra a um medicamento conhecido como pílula da inteligência (modafinil) - mesmo sem apresentar disfunção neurológica. Seus compostos químicos turbinam a capacidade analítica do cérebro, relacionada a memória e aprendizado. E dão pique extra. Depois, para baixar o nível de ansiedade, toma-se um antidepressivo ou ansiolítico. Tentador? E perigoso. "O efeito da pílula da inteligência no curto prazo pode até ser positivo, mas os neurônios produzidos por ela podem confundir o indivíduo. E ele passa a ter problemas com memórias associativas", alerta Muotri. Se somada a um antidepressivo, pior. "Pode culminar com um ataque epiléptico", diz o neurocientista.
ENDURECER JAMAIS!
Se você acha que deve agir como um homem para suportar as pressões, evitando assim doenças que se originam do stress, pode mudar seus conceitos. Um estudo que está sendo realizado pela Clínica de Stress e Biofeedback, em Porto Alegre, e será apresentado na Conferência Isma, na Inglaterra, em julho de 2011, mostra o contrário. São eles que devem aprender com a gente. Segundo a pesquisa, feita com 110 homens e 110 mulheres, há quatro fatores que nos fortalecem:
1. Ter mais facilidade para verbalizar as emoções;
2. Apresentar maior conscientização das próprias condições físicas e emocionais, buscando ajuda nos primeiros sinais do sintoma;
3. Ser mais disciplinada na prática regular de técnicas de relaxamento;
4. Cultivar uma crença religiosa, demonstrando mais fé.
2. Apresentar maior conscientização das próprias condições físicas e emocionais, buscando ajuda nos primeiros sinais do sintoma;
3. Ser mais disciplinada na prática regular de técnicas de relaxamento;
4. Cultivar uma crença religiosa, demonstrando mais fé.
Depoimento de quem já passou por isso
Valéria Câmera tinha 28 anos quando assumiu um cargo de executiva em uma grande empresa brasileira. Aos 31, viveu uma rotina massacrante de trabalho, com muitas viagens internacionais no pacote. A responsabilidade e a cobrança eram enormes, com milhões de reais em jogo. Paralelamente, vivia uma crise com seu namorado. Exausta, mal conseguia vêlo. Para piorar, ele foi transferido para outro estado, fazendo o contato se tornar quase nulo. Eis que, em seguida, um acidente de carro tirou a vida do rapaz. Foi a gota d’água para um processo depressivo. "Tive a dimensão do estrago que o desgaste do trabalho me causara." Abalada, perdeu o emprego e o quadro piorou. "Desenvolvi anorexia nervosa, ficava trancada no quarto, nem a almoços de família comparecia. Ver amigos, então, nem pensar." Com seis meses de sofrimento, Valéria fez psicoterapia e procurou um psiquiatra. Tomou ansiolíticos e antidepressivos. Depois de nove meses desempregada, tornou-se consultora. Hoje, estipula seus limites. Atribui a conduta como executiva à ambição pelo status. Ser gerente internacional era algo gostoso de esfregar na cara dos homens. "Continuo com ambições pessoais, profissionais e financeiras, mas ocupar altos cargos deixou de ser meta. Tenho uma nova visão de mundo, novos valores. Estou mais madura e preparada para construir uma relação a dois. Antes era só meu trabalho, meu apartamento, meu carro..."
Texto Daniela Folloni e Giuliano Agmont / Montagem de Bruno Lozich sobre foto de Mari Queiroz
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